Análise da dependência funcional entre o objectivo e o conteúdo substantivo do feedback pedagógico no treino de Voleibol juvenil
Resumo
O objectivo do presente estudo consistiu na análise do efeito preditor do objectivo do FBP sobre a natureza do conteúdo substantivo que comporta. A amostra foi constituída por vinte e oito treinadores de equipas de ambos os géneros, possuído os seus atletas idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos. Na recolha dos dados foi utilizado um sistema de observação sistemática, posteriormente validado, enquanto que na análise estatística recorreu-se à regressão múltipla de modo a indagar o efeito preditor do objectivo do FBPP sobre o conteúdo substantivo do mesmo. A fiabilidade das observações foi estimada através do índice Kappa de Cohen. Os resultados demonstraram que o conteúdo substantivo do FBPP foi determinado pelo seu objectivo. O FBP prescritivo mostrou determinar a informação de cariz técnico, táctico individual e táctico colectivo. Para a informação de conteúdo não substantivo o FBP prescritivo foi excluído do modelo destacando-se o FBP positivo com o maior poder preditivo.
Abstract
This study aimed the analysis of the pedagogical feedback’s goal predictor effect over its content nature. The observation was developed in the context of youth Portuguese volleyball. The sample was composed by twenty-eight coaches of male e female teams, composed by athletes with ages between 12 e 18 years old. A systematic observation system was applied e validated. To the statistic analyse we used the multiple regression to verify the predictor effect of the PF’s aim over the specific content. The observation’s reliability was calculated through the Kappa de Cohen’s index, which assured its use as scientific tool. The results showed that the PF’s aim can predict the content of its information. The prescriptive FB determined the technical, team and individual tactical information. The prescriptive PF was excluded from the non-specific content’s model. In this, the aim which determined more the non substantive content was the positive PF.
Introdução
Entre as diversas funções consignadas ao treinador desportivo no decorrer do treino e da competição, a transmissão de informação relevante é crucial, sendo para tal necessário considerar a linguagem a utilizar, o momento e o modo de o fazer (Rink, 1996; Williams & Hodges, 2005). Assim a emissão do feedback pedagógico (FBP) destaca-se como uma importante estratégia instrucional no processo de ensino-aprendizagem, definindo-se como a reacção do professor/treinador à performance motora do aluno/atleta no sentido a alterar.
No contexto da Educação Física e do Treino Desportivo, o FBP tem sido alvo de uma análise multidimensional, sendo que estudos têm sido desenvolvidos com foco nas suas componentes dimensão, objectivo, forma, direcção e referencial (Gilbert, Trudel, Gaumond & Larocque, 1999; Mesquita, Farias, Oliveira & Pereira, 2009).
A componente objectivo merece atenção na medida em que ela comporta o propósito ou seja a intenção que subjaz a emissão de informação (Piéron & Gonçalves, 1987) . Também o estudo do conteúdo substantivo do FBP tem vindo a conquistar um lugar de destaque na agenda da investigação. De facto, pesquisas que considerem o conteúdo específico de treino são essenciais para a compreensão do ênfase fornecido ás diferentes matérias nas modalidades em questão (Mesquita et al., 2003). Shulman (1986) defendeu que o conteúdo não poderia ser separado do processo pedagógico, compileo-os no conceito conhecimento pedagógico do conteúdo. Mais tarde, Seaborn, et al. (1998) trouxeram este conceito para o domínio da intervenção do treinador, argumenteo a sua pertinência de estudo no âmbito da intervenção do treinador durante a prática. Nesta perspectiva, Gilbert et al (1999), desenvolveram e validaram um instrumento denominado de SAPCI (Systematic Analysis of Pedagogical Content Interventions), o qual permite a análise do conteúdo da intervenção (o quê), mas também da sua forma, momento e receptor.
Considereo a importância de uma análise multidimensional do feedback pedagógico (FBP) fornecido pelo treinador, colocamos como objectivo deste estudo analisar o efeito preditor do objectivo do FBP sobre a natureza do conteúdo substantivo.
Material e Métodos
Participantes
A amostra foi constituída por 28 treinadores de jovens praticantes federados de Voleibol com uma média de 29,1 anos de idade e um valor médio de 7,9 anos de experiência profissional. Estes treinadores, todos pertencentes à Associação de Voleibol do Porto e credenciados pela Federação Portuguesa de Voleibol, foram seleccionados através do critério aceitação de participação no presente estudo. Uma sessão de cada treinador foi analisada, perfazendo um total de 28 sessões de treino, através das quais se contabilizaram 2430 minutos de treino observados, em média 87 minutos por treino. Assim, 7460 unidades de informação foram observadas, isto é, em média 226 por treinador e por treino, com uma taxa de frequência de 3 FBP por minuto.
Instrumento de observação
De modo a analisar a variável conteúdo substantivo do FBPP utilizamos como base o instrumento desenvolvido por Gilbert et al., (1999) The Systematic Analysis of Pedagogical Content Interventions (SAPCI) posteriormente adaptado ao Voleibol. No que concerne ao objectivo do FBP, o desenvolvimento da observação teve como base o instrumento Pedagogical Feedback Observation System, criado por Rodrigues (1989) e Rosado (1988) citados por Sarmento et al. (1998). Recorreu-se à validação de peritagem pela avaliação de três peritos. A percentagem de acordos obtida nesta validação entre os peritos foi 95.3%, traduzindo-se numa forte consistência.
Para a caracterização do conteúdo substantivo foram utilizadas as seguintes categorias: técnica; táctica individual; táctica colectiva; física; regras; sem conteúdo substantivo. Já no que concerne o objectivo do FBP foram considerados as categorias: positivo; negativo; interrogativo; descritivo; prescritivo; informação de atenção.
Procedimento de Recolha de Dados
Com o objectivo de garantir homogeneidade nas características dos treinos observados (Potrac et al., 2007), estes foram seleccionados da parte central do microciclo, eviteo-se também a proximidade com a competição.
Para posterior observação e análise das intervenções pedagógicas desenvolvidas pelos treinadores, procedeu-se à filmagem em vídeo de cada treino, bem como ao registo em áudio através de um microfone portátil colocado na lapela do treinador. A câmara de vídeo foi acoplada a um sistema de áudio, constituído por um receptor e um emissor, o que permitiu a captação não só da imagem mas também da informação verbal transmitida pelos treinadores em tempo real. Apenas a parte fundamental do treino foi considerada na observação e recolha dos dados, uma vez que é nesta que são abordados, por excelência, os conteúdos substantivos de aprendizagem (Siedentop, 1991).
Procedimentos de Análise dos dados
Com o propósito de averiguar se o objectivo do feedback pedagógico determinava o seu conteúdo substantivo, utilizamos a regressão múltipla, recorrendo ao método enter na inclusão das variáveis. O diagnóstico da colinearidade resultou em valores de tolerância (de 0.041 a 0.608) situados entre os apontados como validos para o recurso a esta técnica de análise (Pestana e Gageiro, 2005). Uma vez que as variáveis apresentadas foram recolhidas através da mesma escala de medida, consideramos pertinente a utilização dos coeficientes não esteardizados em detrimento dos esteardizados. Finalmente, utilizámos os valores das correlações semi-parciais para concluir o efeito preditor das variáveis independentes sobre as dependentes e o valor de 0.05 para o nível de confiança.
Fiabilidade
A consistência da observação foi testada através de uma análise intra-observador e inter-observador. Em ambas foram observados três treinos, perfazendo um total de 1280 unidades de informação (17.2%), ou seja, mais do que o valor mínimo recomendado pela literatura (10%) (Tabachnick & Fidell, 1989). Foi ainda aplicado o índice Kappa de Cohen. Dado que os valores por nós registados se encontram entre 0,97 e 1 na fiabilidade intra-observador, e 0,96 e 1 na fiabilidade inter-obervador, podemos afirmar que são fiáveis o suficiente para serem utilizados como ferramenta científica.
Resultados
As tabelas seguintes expõem a relação entre as variáveis da dimensão objectivo do FBP e o conteúdo substantivo do mesmo.
No que concerne ao conteúdo substantivo relacionado com a Técnica (tabela 1),os resultados evidenciaram que o modelo testado foi significativo (r2=,874; p<0.001), sendo que 87,1% da variância dos resultados da informação técnica foi explicada pelo FBP de tipo positivo, descrito, prescritivo e de informação de atenção. Já os FBP negativo e interrogativos não demonstraram qualquer poder preditor. Dos diferentes objectivos do FBP, o prescritivo foi aquele que se apresentou com maior poder preditor.
Tabela 1 – Relação entre o objectivo do FBP e a componente Técnica do conteúdo substantivo da informação emitida.
No contexto da informação táctica individual (tabela 2), o modelo de regressão testado também demonstrou ser significativo (r2=0.789; p<0.001). Quatro das categorias do objectivo do FBP – positivo, interrogativo, prescritivo e informação de atenção – foram incluídas no modelo e explicaram 78.3% da variância da informação de conteúdo táctico individual. Do modelo referido foram excluídos os FBP negativo e descritivo. O FBP prescritivo foi de novo o que mostrou maior poder preditivo.
Tabela 2 – Relação entre o objectivo do FBP e a componente Táctica Individual do conteúdo substantivo da informação emitida.
Os objectivos de tipo positivo, prescritivo e de informação de atenção demonstraram explicar 51,1% da variância da informação táctica colectiva (r2=0,524; p<0.001) (tabela 3). Por sua vez, os FBP negativo, interrogativo e descritivo foram excluídos do modelo. Tal como anteriormente, neste modelo o FBP prescritvo foi o que possui o maior poder explicativo.
Tabela 3 – Relação entre o objectivo do FBP e a componente Táctica Colectiva do conteúdo substantivo da informação emitida
Por fim, o modelo referente à relação entre o objectivo do FBP e a informação de conteúdo não substantivo (tabela 4) também se verificou como significativo (r2=0,975; p<0.001). Apenas o FBP prescritivo não demonstrou qualquer poder preditivo das intervenções de conteúdo não substantivo, sendo que todas as restantes categorias foram incluídas no modelo, justificeo 97,4% da variância explicada. Destas, o FBP positivo foi aquele que apresentou um poder preditivo mais elevado.
Tabela 4 – Relação entre o objectivo do FBPP e a componente Sem Conteúdo Substantivo da informação emitida.
Discussão
O principal destaque deste estudo vai para o facto do objectivo do FBP se ter demonstrado como determinante para a natureza do conteúdo da informação emitida pelo treinador.
Quando considerado o poder explicativo do objectivo do FBP do treinador sobre o seu conteúdo substantivo verificámos que os treinadores tendem a ser sobretudo prescritivos ao fornecer informação sobre a técnica e a táctica quer colectiva quer individual. No que toca à informação técnica, a literatura sustenta que no nas etapas de formação inicial os treinadores tendam a ser mais prescritivos, ou seja, intervenham fornecendo soluções e indicações para melhorar a performance dos atletas, dada a necessidade dos praticantes necessitarem de adquirir a representação mental correcta da acção motora (Williams & Hodges, 2005).
Considereo a intervenção de conteúdo táctico individual, verificamos que, para além do FBP prescritivo, o interrogativo também se verificou como determinante, enquanto que o mesmo não demonstrou ser verdade ao nível da táctica colectiva. O FBP interrogativo tem como base o questionamento que é considerado como uma estratégia de instrução que encoraja os atletas a explorar diferentes soluções (Mesquita, 2006) e, possivelmente, contribui para o desenvolvimento da tomada de decisão por parte dos atletas. Assim, parece-nos preocupante que a utilização do FBP interrogativo não se relacione com as intervenções relativas à táctica colectiva, dada a importância da compreensão dos sistemas de jogo, por parte dos jogadores.
O conteúdo não substantivo inclui intervenções do treinador relacionadas com elogio, encorajamento, pressão, entre outros aspectos não específicos da modalidade. Os dados demonstram que queo os treinadores utilizam o FBP positivo, geralmente, referem-se a conteúdos de foro não substantivo. Assim, no âmbito da intervenção do treinador os conteúdos relacionados com o reforço positivo mostram ser frequentes no treino de jovens, servindo como meio de motivação e focalização da atenção na actividade (Cushion e Jones, 2001; Mesquita et al., 2003; Lima e Mesquita, 2007; Potrac et al., 2007). No entanto, não é demais relembrar que o uso do reforço positivo deve ser cuidado, uma vez que queo associado a um uso excessivo, o feedback positivo pode se tornar uma rotina para os atletas e, portanto, sem significado (Cushion e Jones, 2001).
Conclusões
O presente estudo veio comprovar que o objecto do FBP determinou significativamente a natureza do conteúdo substantivo da informação emitida pelo treinador. Ao se evidenciar com um maior poder preditivo, o FPB prescritivo demonstrou ser determinante na emissão de informação de conteúdo substantivo, ao nível da técnica, táctica individual e colectiva. Assim, concluímos que os treinadores de jovens em questão visaram uma intervenção orientada para a prescrição da solução, independentemente da natureza da informação de cunho substantivo emitida. No que respeita à informação de conteúdo táctico, destaca-se que nos aspectos colectivos o FBP interrogativo foi excluído. Finalmente, os resultados do presente estudo evidenciaram que, para a informação de natureza não substantiva, os treinadores privilegiaram o recurso ao FBP positivo, presumivelmente ligado ao frequente uso do elogio sem conteúdo substantivo associado.
Referências
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