Psicologia dos Talentos Desportivos
O talento é definido por Bloom (1985) como a demonstração excepcionalmente elevada de habilidades, realizações, ou capacidades numa determinado área de actividade. Um dos grandes objectivos da psicologia do desporto, tanto no âmbito da investigação como no que se refere às suas aplicações práticas no treino desportivo, tem sido o de compreender os processos psicológicos dos talentos em desporto. Nessa perspectiva, os trabalhos que têm vindo a ser realizados nesta área, pretendem aprofundar o fundamento científico relativamente aos processos de selecção. Outro objectivo é o de melhorar o desenvolvimento de estratégias que permitam aumentar a adaptação psicológica dos jovens atletas. Nos anos 60 e 70 do século XX, os investigadores procuraram características estáveis definidoras dos talentos e que os diferenciassem dos não-talentos, como, por exemplo, os factores personalísticos, em ordem a estabelecer perfis específicos. No entanto, não foram encontrados perfis genéticos ou inatos dos talentos desportivos. Por outro lado, ao longo dos anos têm sido elaborados e aplicados diversos sistemas de selecção e desenvolvimento de talentos que carecem, no entanto, de fundamentação científica. Os resultados das metodologias que por vezes têm conduzido ao sucesso desportivo, podem eventualmente ser explicados mais pela excepcionalidade das condições colocadas à disposição dos jovens considerados talentos, do que por uma real eficácia dos processos de selecção. Classicamente, são consideradas três fases no trabalho com talentos no desporto. A primeira ocupa-se da detecção, ou seja a descoberta do potencial de rendimento em sujeitos fora do sistema desportivo. Segue-se a selecção durante a qual se promove a identificação contínua de atletas mais aptos para o desempenho de excelência. Por fim, tem lugar a orientação, ou seja, o encaminhamento dos “naturalmente” dotados para programas específicos. Quanto à origem do talento, os investigadores têm-se dividido entre o primado da genética ou do meio, ou a perspectiva interaccionista. A investigação actual sugere que os talentos se diferenciam dos seus pares não-talentos essencialmente pelo modo como interagem com as situações. O Modelo Diferenciador de Sobredotação e Talento, de Gagné (2004), propõe que o talento decorre do desenvolvimento das capacidades naturais do jovem sobredotado num determinado domínio, designadamente o desporto, dependendo de catalizadores intrapessoais e envolvimentais, bem como de circunstâncias do acaso. Igualmente relevante para a compreensão do desenvolvimento do talento é o Modelo de Participação Desportiva, de Coté, Baker & Abernethy (2007) que distingue os conceitos de jogo e treino deliberado, bem como o de especialização precoce com vista ao alto rendimento desportivo. Estes autores discutem a eficácia de metodologias que favorecem uma evolução na prática tendo em conta o processo de formação desportiva que parte de estruturas lúdicas e variadas para uma progressiva focalização num desporto específico, em oposição a um processo que desde muito cedo inicia o envolvimento em programas de treino que visam o rendimento num dado desporto. O talento representa uma ou várias capacidades excepcionais culturalmente reconhecidas e enquadradas num campo específico da actividade humana, cujo desenvolvimento requer um processo complexo, dinâmico e multidimensional. Apesar de não existir um perfil homogéneo de talento, a literatura internacional sugere características psicológicas associadas ao seu processo de desenvolvimento, nomeadamente a motivação, o perfeccionismo ajustado, o compromisso, a resiliência, o coping e o suporte parental. Um dos estudos desenvolvidos na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa visa avaliar os constructos mencionados numa amostra de 122 jogadores de futebol de elite e sub-elite, com idades compreendidas entre 13 e 19 anos. De uma forma geral, os talentos (jogadores que integraram selecções nacionais de Portugal nos respectivos escalões etários) manifestam valores mais elevados na capacidade de confronto com a adversidade, suporte parental, auto-determinação, compromisso, resiliência e perfeccionismo ajustado. Por outro lado, essas variáveis concorrem também para a definição de talento. Os resultados das análises de regressão revelam que a motivação extrínseca, a rejeição pela mãe relativamente à actividade desportiva, e a sobreprotecção do pai correlacionam negativamente. Um outro estudo focou-se na resiliência cuja importância tem sido salientada na investigação relativa à excelência desportiva e ao desenvolvimento de talentos. Neste sentido, foi estudada a relação entre talento desportivo, prática desportiva e resiliência em adolescentes do sexo masculino (N=137), dos 14 aos 17 anos (M= 15,57; DP= 0,69), praticantes de futebol. Os instrumentos utilizados foram uma ficha de recolha de dados demográficos e desportivos e a adaptação portuguesa realizada por Serpa & Vigário da Resilience Scale de Wagnild & Young (1990). Os resultados permitem concluir que atletas talentos apresentam valores significamente superiores em comparação com os atletas não-talentos no que respeita ao tempo total de prática e de competição no futebol, bem como na resiliência. O perfeccionismo foi especificamente estudado em jovens futebolistas, comparando talentos com não talentos. Os participantes num dos estudos foram 82 jovens talentos e 129 não-talentos com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos, tendo sido utilizada a versão portuguesa da Escala Multidimensional de Perfeccionismo (Frost, Marten, Lahart & Rosenblate, 1990). Os resultados da comparação geral entre os dois grupos revelam que os talentos registam valores superiores de padrões de realização e de organização, bem como valores inferiores de dúvidas sobre as acções a realizar, e de criticismo parental. Ao compararmos os escalões sub-17 e sub-19 no grupo de talentos, não foram encontradas diferenças significativas. Ao contrário, no grupo de não-talentos, o escalão sub-19, quando comparado com o de sub-17, revela valores superiores no criticismo parental e nas expectaticas parentais. Parece poder concluir-se que os talentos se caracterizam por padrões mais elevados de perfeccionismo ajustado e mais baixos de perfeccionismo desajustado. Por outro lado, este grupo exibe uma maior estabilidade relativamente ao perfeccionismo ao longo da carreira, contrariamente ao grupo dos não-talentos. A percepção que os jovens realizam das atitudes dos pais sugere a importância destes no desenvolvimento dos talentos de acordo com a literatura internacional sobre a influência social. Na sequência do estudo referido no parágrafo anterior, e de acordo com o modelo do envolvimento parental de Hoover-Dempsey e Sandler (2005), analisaram-se as diferenças entre as características do envolvimento de pais de talentos e de não-talentos em futebol. Um inventário específico constituído por doze escalas foi administrado a 162 pais e mães de crianças e jovens praticantes de futebol de vários níveis competitivos. Em geral, os pais de talentos, comparativamente com os pais de não-talentos, demonstraram ter mais consciência do papel parental, percepcionaram mais pedidos para o envolvimento provenientes do filho, e consideraram encorajar e reforçar mais frequentemente os filhos. Por sua vez, os pais de não-talentos revelaram percepcionar mais solicitações para o envolvimento provenientes do treinador em comparação com os pais de talentos. O estudo revelou a capacidade preditiva do modelo do envolvimento parental no desporto e confirmou a hipótese de que o padrão de envolvimento parental se diferencia segundo o nível de mestria das crianças e jovens praticantes. A cominicação apresentará e discutirá conceitos, modelos e dados da investigação respeitantes à problemática dos talentos no desporto, visando contribuir para a sua compreensão. Os estudos referidos, realizados no âmbito do Laboratório de Psicologia do Desporto, foram desenvolvidos por uma equipa de investigação em que participaram André Barreiros, António Rosado, Esmeralda Gouveia, Inês Vigário, Pedro Teques e Sílvio Ramadas.
Referências
- Bloom, B.S. (1985). Generalizations about talent development. In B. S. Bloom (Ed), Developing talent in young people (pp.507-549). New York: Ballantine Books.
- Côté, J., Baker, H., & Abernethy, B. (2008). Practise and play in the development of sport expertise. In G. Tenenbaum & R. C. Eklund, Handbook of sport psychology (3rd ed.) (pp. 184-202). Hoboken, New Jersey: John Wiley & Sons, Inc.
- Frost, R.O., Marten, P., Lahart, C.M. & Rosenblate, R. (1990). The dimensions of perfectionism. Cognitive therapy & research, 14, 449-468.
- Gagné, F. (2004). Transforming gifts into talents: the DMGT as a developmental theory. High Ability Studies, 15 (2), 119-147.
- Hoover-Dempsey, K.V., & Sandler, H.M. (2005). Final Performance Report for OERI Grant #R305T010673: The Social Context of Parental Involvement: A Path to Enhanced Achievement. Institute of Education Sciences, U.S. Department of Education.
- Wagnild, G., & Young, H. (1990). Resilience among older women. Journal of Nursing Scholarship, 22(4), 252-255.